Em 1978, as duas famílias decidiam convergir pela
primeira vez os interesses, mudando a configuração política do estado dali em
diante.
Conhecido como “Paz Pública”, o fenômeno chama a
atenção de cientistas políticos e historiadores. É o caso do professor Sérgio
Trindade, que se debruça sobre o tema há vinte anos. O pesquisador conta que a
união entre as famílias Alves e Maia em 1978 provocou alterações significativas
no quadro político.
“Com o resultado das eleições, houve uma
reformulação na política estadual, tendo em vista que ‘novas’ lideranças
políticas surgiram, outras decaíram e outras, ainda, ‘ressurgiram’ após anos de
ostracismo”, conta o historiador, lembrando ainda que a “Paz Pública” coincidiu
com a abertura democrática do país.
ENTENDA A
HISTÓRIA
Em 1978, conta Trindade, com o sistema
bipartidário, as principais lideranças políticas do estado estavam na Arena
(Aliança Renovadora Nacional) e no MDB (Movimento Democrático Brasileiro). O
MDB, que fazia oposição ao governo militar, era o reduto da família Alves;
enquanto que a Arena tinha o senador Dinarte Mariz, que dominava a política
potiguar até então, e a emergente família Maia.
Naquele ano, percebendo o avanço do MDB
principalmente em Natal, o governador arenista Tarcísio Maia decidiu arquitetar
uma manobra para evitar surpresas na eleição para o Senado, já que quatro anos
antes o feirante Agenor Maria havia derrotado o candidato da Arena, Djalma
Marinho, refletindo uma tendência nacional, que era de perda de capital
político dos adeptos ao regime militar.
SÉRGIO
TRINDADE MOSTRA MUDANÇAS (FOTO: JOSÉ ALDENIR - AGORA IMAGENS)
Apenas uma vaga para o Senado estava em disputa
em 1978, já que Dinarte Mariz, mais alinhado com o governo central, seria
nomeado “senador biônico” (eleito indiretamente) e Agenor Maria tinha mandato
até 1983.
A Arena, que vinha de uma cisão interna gerada
nas eleições indiretas de 1974 (que resultou na nomeação de Tarcísio Maia para
o Governo do Estado, para a insatisfação de Dinarte Mariz), não tinha consenso
em torno de um nome. O empresário Jessé Freire era a preferência do governador
Tarcísio, mas Dinarte não o apoiava. Foi então que o governador foi buscar o
apoio da família Alves, rival de Mariz, para vencer a disputa.
“Tarcísio se aproximou de Aluízio e conseguiu
fazer com que a família Alves apoiasse Jessé. Isso é a Paz Pública”, registra o
professor.
O historiador lembra que Aluízio Alves (que foi
governador até 1969, quando foi cassado pelo regime militar) decidiu aderir à
candidatura de Jessé Freire em detrimento do candidato do seu próprio partido
(MDB), o também empresário Radir Pereira. Em troca, os Alves puderam indicar o
vice do futuro governador Lavoisier Maia: o empresário Geraldo Melo.
O curioso na história é que Radir Pereira também
recebeu apoio dos “adversários”. Setores da Arena ligados a Dinarte Mariz
descontentes com a candidatura de Jessé Freire decidiram apoiar o nome do MDB.
Além de Jessé, esses arenistas não engoliam a vitória de Tarcísio Maia na
indicação do sucessor para o Governo, que acabou sendo Lavoisier Maia, em
detrimento de Dix-Huit Rosado, apoiado por Mariz.
A estratégia de Tarcísio, no final das contas,
após uma campanha agressiva, foi vitoriosa. No dia 15 de novembro de 1978,
aproximadamente 710 mil eleitores foram às urnas no Rio Grande do Norte, e
Jessé Freire venceu Radir Pereira com 76 mil votos de maioria. O professor
Sérgio Trindade frisa que, após isso, Tarcísio ganhou mais protagonismo, e
Dinarte Mariz (que viria a morrer em 1984, durante mandato de senador) começou
a declinar.
“Quem emerge como força política após a eleição
de Jessé Freire é Tarcísio Maia, já que a estratégia eleitoral foi dele. E,
além disso, temos a volta de Aluízio Alves à vida pública, dez anos após sua
cassação pelo regime militar. Foi a maior aliança política feita no RN desde
1954, quando a UDN e o PSD se uniram para eleger Dinarte Mariz e Georgino
Avelino. Combinou as forças da Arena no interior e a liderança de Aluízio na
capital”, completa o professor.
UNIÃO
DESFEITA EM 1982
Pesquisador do assunto, o professor Sérgio
Trindade registra que a “Paz Pública” articulada por Tarcísio Maia (vide página
ao lado) tinha, além da eleição de Jessé Freire em 1978, outro objetivo que
acabou prejudicando a aliança com os Alves nos anos seguintes. Tarcísio queria,
na verdade, diminuir a influência da família “aliada” em Natal e se tornar a
grande força política do estado, ocupando o espaço deixado por Dinarte Mariz.
O historiador relata que Tarcísio havia indicado
Lavoisier para sua sucessão desde que o novo governante nomeasse o engenheiro
José Agripino Maia para o cargo de prefeito de Natal. “Por que Natal? Porque,
para os Maia, era necessário obter um determinado número de votos na capital
para cobrir a diferença que existia em relação à liderança dos Alves. Daí, José
Agripino acaba sendo nomeado, faz uma gestão na Prefeitura com apoio do Governo
do Estado e se fortalece para ser candidato a governador em 1982”.
CAMPANHA
DE 1982- CARLOS ALBERTO DE SOUSA, LAVOISIER MAIA, TARCÍSIO MAIA E JOSÉ AGRIPINO
MAIA EM COMÍCIO (FOTO: REPRODUÇÃO)
“Agripino disputa contra Aluízio em 1982 e é
eleito. Os Alves, então, foram traídos ao firmarem a aliança lá atrás. Agnelo
Alves (ex-prefeito de Natal e Parnamirim) dizia que, não fosse Tancredo Neves,
a família Alves tinha se acabado politicamente. Isso porque Tancredo, quando
eleito governador de Minas Gerais, chamou Aluízio para trabalhar como
secretário. Depois, quando Tancredo se elegeu presidente, Aluízio se tornou
ministro”, diz o professor, acrescentando que, a partir disso, outros membros
da família Alves conseguiram ter êxito na política.